Autismo: Lidando com comportamentos socialmente inadequados
Na última publicação vimos como a avaliação comportamental deve ser
individualizada e voltada para a história de vida de cada um. Agora,
vamos entender como começa a intervenção comportamental com crianças
autistas, tendo esta avaliação como base.
Com o repertório de entrada definido e bem analisado, sabemos o que a
criança já sabe e em que contextos ela emite estes comportamentos.
Sabemos, ainda, o que a criança não sabe e poderia estar fazendo para
melhor adaptação e inserção social. A partir deste conhecimento temos a
base para ensinar estes comportamentos importantes, mas ainda não
adquiridos, bem como reduzir os comportamentos inadequados que acabaram
sendo instalados pela ausência de outros mais adequados e mais aceitos
socialmente.
É importante frisar que o limite para o aprendizado não está na criança
ou em seu diagnóstico, o autismo consiste em um transtorno de origem
genética que causa dificuldades ou atrasos no desenvolvimento verbal e
social, bem como da variabilidade de comportamentos. Porém, este
transtorno não envolve nenhuma limitação orgânica que impeça um
determinado aprendizado. Diferentemente de algumas deficiências físicas
irreversíveis, os transtornos do desenvolvimento não geram nenhuma
barreira intransponível. Então, podemos afirmar que estas crianças (que
possuem apenas o diagnóstico de autismo, não associado a outros
transtornos) estão aptas a aprender tudo que qualquer criança com
desenvolvimento típico aprende, o limite para esta aprendizagem está nas
condições de ensino que foram oferecidas a ela. Provavelmente, antes de
iniciar uma intervenção especializada, alguns autistas foram submetidos
a métodos tradicionais de ensino e, isso sim pode significar um limite
para a aprendizagem. Se uma criança não aprendeu com métodos
tradicionais, isso não significa que ela não aprenderá nunca, pelo
contrário, só significa que cabe a nós (pais e profissionais da saúde e
da educação) apresentar métodos de ensino especiais, desenvolvidos para o
seu repertório inicial e adequados às suas dificuldades. Então, na
visão da Análise do Comportamento, o não aprender não remete a
incapacidades da criança, mas sim a falhas do método e dos procedimentos
de ensino, que devem ser revistos até que se obtenha o aprendizado
esperado.
A intervenção comportamental com crianças autistas se sustenta em dois
grandes pilares: a) minimização e extinção de comportamentos
inadequados; e b) ensino ou maximização de comportamentos adequados.
Hoje, vamos falar da redução e extinção de comportamentos inadequados,
que são prejudiciais para a adaptação da criança ao meio social e para
sua qualidade de vida.
Skinner (1953/1970) definiu dois tipos de comportamentos: os
comportamentos reflexos, que consistem em respostas involuntárias do
organismo a um estímulo ambiental e são determinados pela filogênese,
por isso as possibilidades de manipulação e plasticidade destes
comportamentos são limitadas; e os comportamentos operantes, que
consistem em ações que produzem alterações no ambiente, isto é, produzem
consequências que retroagem sobre o organismo modificando sua resposta.
Estes últimos são determinados pela ontogênese (história de vida) e são
passíveis de maiores modificações por meio da manipulação de variáveis
ambientais. Neste grupo estão os comportamentos inadequados socialmente
que devemos controlar e minimizar.
Algumas respostas inadequadas comuns nos casos de autismo são: birras (classe de respostas que envolve chorar, gritar, se jogar no chão, espernear, etc.); comportamentos autolesivos (machucar a si mesmo); agressões (machucar o outro); estereotipias (respostas repetitivas e com função autoestimulatória); etc. Na visão da Análise do Comportamento, cada uma destas respostas pode ser um comportamento completamente diferente a depender das variáveis antecedentes (contexto, situação que as evoca) e das variáveis consequentes (estímulos que seguem a resposta e a mantém). Afinal, comportamento consiste na relação dinâmica entre variáveis ambientais e orgânicas, ou seja, envolve a tríplice contingência formada por eventos antecedentes, respostas e consequências.
Por isso, se considerarmos apenas estas topografias (formas) de
respostas não saberemos de que comportamento se trata e, com isso, não
saberemos que variáveis ambientais manipular para modificar este
comportamento, fazer sua frequência diminuir ou aumentar. Assim, antes
de planejar a modificação de qualquer comportamento é necessário fazer
sua Análise Funcional, isto é, buscar ir além da topografia da resposta,
identificando as variáveis de controle (Antecedentes e Consequentes). O
objetivo desta análise é definir tudo que compõe a tríplice
contingência do comportamento em questão.
No grupo de estímulos antecedentes estão todos os estímulos presentes na
ocasião em que a resposta ocorre, por exemplo, objetos inanimados;
estímulos sociais como pessoas e interações; estímulos do próprio
organismo como sensações, dores, fome, sede, etc.; estímulos sensoriais
como luz, calor, odor; etc. Estes estímulos podem ter a função de
estímulos discriminativos, ou seja, estímulos que, no passado,
antecederam uma resposta que foi reforçada. A partir desta história,
este estímulo passa a sinalizar que a resposta será reforçada se ocorrer
novamente e, consequentemente, a simples presença deste estímulo é
suficiente para evocar a resposta. Por exemplo, se uma criança, que
ainda não desenvolveu a fala, chora quando sente fome ou vontade de algo
e a mãe entende este choro dando-lhe o que comer ou aquilo que sabe que
ela deseja, a mãe passa a ser um estímulo discriminativo que evoca a
resposta de chorar. A presença da mãe sinaliza que o choro será seguido
de alimento ou acesso a itens de interesse, afinal no passado foi esta
contingência que aconteceu: mãe – choro - alimento ou itens de
interesse.
Por isso, é bastante comum observamos alguns comportamentos inadequados
que só ocorrem na presença de familiares próximos que foram estímulos
antecedentes quando estas respostas foram reforçadas no passado. É
bastante comum observarmos que uma criança que se machucou e ao olhar ao
redor não viu nenhum conhecido, se levanta e volta a brincar como se
nada tivesse acontecido. Mas basta um parente próximo surgir que, mesmo
que o machucado já tivesse sido esquecido, a criança chora e mostra onde
dói. Isto acontece porque estes parentes são estímulos discriminativos
para o choro, pois na história de vida da criança foi na presença deles
que o choro foi reforçado com atenção, carinho, cuidado e alívio da
dor.
As operações estabelecedoras são outro tipo de estimulação antecedente,
que consistem em contextos ambientais que alteram o valor do reforço,
por exemplo: privação, saciação e estimulação aversiva. Se um
comportamento é mantido por acesso a alimentos, ele terá muito mais
chances de acontecer nos momentos em que a criança estiver privada de
alimentos; se uma birra se mantém porque gera atenção das pessoas, a
privação de atenção aumenta as chances de a birra acontecer.
Por sua vez, as variáveis consequentes são os estímulos que ocorrem após
a resposta. Estas consequências podem ser de dois tipos: a) estímulos
reforçadores - que selecionam comportamentos, ou seja, fortalecem-no e
aumentam sua probabilidade de ocorrência; ou b) estímulos punidores -
que tornam o responder menos provável.
Os reforçadores, que aumentam a frequência da resposta, podem ser
positivos, quando consistem no acréscimo de um estímulo do interesse da
pessoa, por exemplo, quando damos um vídeo, um brinquedo ou uma
guloseima após a resposta da criança durante o ensino; ou podem ser
negativos, quando consistem na eliminação ou prevenção de um estímulo
aversivo, por exemplo, quando a criança emite uma resposta como birra,
autolesão ou agressão e imediatamente depois a demanda da qual ela não
gosta é retirada.
Os punidores, que diminuem a frequência da resposta, também podem ser
positivos, quando envolvem o acréscimo de um estímulo aversivo, por
exemplo, quando uma criança age de forma inadequada e o pai dá uma
bronca ou bate nela; ou podem ser negativos, quando consistem na remoção
de um estímulo do interesse da pessoa, por exemplo, quando a criança
faz algo inadequado e o pai lhe tira o acesso ao vídeo game ou à
televisão por um período.
Quando identificamos quais destas variáveis antecedentes e consequentes
estão, respectivamente, evocando e mantendo um determinado
comportamento, chegamos à função deste comportamento. Então, quando
alteramos estes eventos antecedentes e consequentes alteramos o
comportamento, aumentando a frequência do que for adequado e diminuindo a
frequência do que for inadequado.
Esta análise funcional pode ser feita de duas formas principais. A
Análise Funcional Descritiva consiste na observação direta dos
comportamentos no contexto natural onde ocorrem. Já a Análise Funcional
Experimental, consiste na manipulação de variáveis antecedentes e
consequentes, testando hipóteses para a função do comportamento. O
procedimento mais utilizado é a Análise Funcional Descritiva, pois
aproveita situações naturais, sem interferir nas contingências.
Com a Análise Funcional feita e a função do comportamento identificada,
partimos para a intervenção. Para minimizar os comportamentos
inadequados o analista do comportamento deve manipular variáveis
antecedentes e consequentes e, principalmente, orientar e treinar
familiares e profissionais que atuam com a criança a também mudarem
estas variáveis nos ambientes naturais.
Um exemplo de manipulação de variável antecedente seria orientarmos
aquela mãe que é estímulo discriminativo para a birra a dar atenção e
acesso a itens de interesse não mais após estas respostas inadequadas,
mas sim após respostas mais adequadas que foram ensinadas a esta
criança. Com isso, esta mãe passa a ser estímulo discriminativo para
estas novas respostas adequadas, ou seja, a sua presença passa a evocar
tais respostas corretas ao invés de evocar o choro ou outros
comportamentos inadequados.
Manipular as operações estabelecedoras também modificará a probabilidade
de ocorrência da resposta. Se eu quero eliminar comportamentos
inadequados mantidos por atenção, uma das coisas a se fazer é evitar a
privação de atenção, garantindo que a criança receba atenção contingente
a comportamentos adequados de tempos em tempos. Se, por outro lado, meu
objetivo é instalar uma resposta nova usando um determinado alimento
como reforçador, eu tenho que planejar a privação deste alimento, pois
se a criança estiver saciada ele não vai funcionar como reforçador, ou
seja, não vai fortalecer a resposta.
Paralelamente, é preciso mexer nas variáveis consequentes para
enfraquecer e extinguir as respostas inadequadas. Tradicionalmente, a
sociedade tem utilizado a punição (broncas, notas baixas, castigos,
etc.) com este objetivo. Pesquisas em Análise do Comportamento têm
mostrado, entretanto, que esta não é a melhor alternativa, afinal a
punição reduz a resposta apenas temporariamente[1].
Mesmo sendo punida a resposta tende a voltar a ocorrer se os estímulos
antecedentes que as evocam forem mantidos e se as consequências que a
mantém continuarem sendo geradas. Segundo Sidman (1995), esta é uma
justaposição comum na vida cotidiana, apesar da punição o comportamento
inadequado persiste porque também é reforçado.
Além disso, muitos estudos têm mostrado que a punição gera efeitos
colaterais indesejados como o contra-controle e o aumento de respostas
de fuga e esquiva. Este tipo de atitude só elimina aquela resposta
inadequada, mas não ensina o que a criança deve fazer para obter estas
consequências (atenção, descanso da demanda, acesso a itens de
interesse, etc.). Assim, a punição deixa a criança sem opção, pois
elimina o seu modo de obter estas consequências sem ensinar uma resposta
alternativa.
Outro efeito indesejado da punição é o fato de o comportamento só deixar
de acontecer na presença das pessoas que puniram. Quantas vezes não
presenciamos um comportamento inadequado que re-aparece logo que o
adulto que puniu vira as costas. Afinal, punir não resulta em ensinar
como agir de forma correta, apenas causa medo de agir daquela forma na
frente da pessoa que pune.
Não podemos deixar de lembrar que as crianças (inclusive alguns
autistas) tendem a imitar os comportamentos dos adultos e, se observarem
agressão, vão imitar agressão também. A criança que apanha aprende a
bater no coleguinha que pega seu brinquedo ou faz algo que ela não
gostou. Além de todos estes efeitos colaterais, a punição gera, na
criança, respostas emocionais relacionadas ao medo, sentimento de
injustiça, vergonha e incompetência, pois envolve o uso da força;
enquanto que, no punidor, gera culpa.
É por todos estes efeitos negativos da punição que optamos por não
utilizá-la. Buscamos, então, reduzir a frequência de comportamentos
inadequados até eliminá-los por meio da extinção. A extinção
consiste em eliminar as consequências que estão mantendo o comportamento
inadequado e, assim, enfraquecê-lo até que ele não tenha mais função e
deixe de acontecer. Por exemplo, se durante a análise funcional vemos
que a consequência que mantém o comportamento alvo é a fuga ou
paralisação da demanda (reforço negativo), orientamos para os
profissionais e familiares que quando este comportamento ocorrer a
demanda que estiver em curso não deve ser retirada. Esta demanda deve
continuar até o comportamento inadequado parar e, quando isso acontecer,
o adulto deve dar oportunidade para a criança pedir intervalo ou outra
atividade de forma mais adequada, como falar ou pegar uma pista visual
(comunicação alternativa).
Entretanto, não podemos simplesmente extinguir um determinado
comportamento que gerava uma consequência adaptativa e necessária para a
pessoa, sem ensinarmos outro comportamento mais adequado que gere a
mesma consequência. Ou seja, se a birra que tinha a função de
comunicação é extinta pela retirada total do acesso a objetos,
atividades ou alimentos do interesse da criança após a birra, temos que
ensinar outra forma de comunicação para ela. Temos que instalar outro
comportamento adequado que possa gerar acesso a itens de interesse e que
vai se tornar a nova comunicação desta criança.
Para isso, utilizamos o procedimento denominado reforço diferencial de outro comportamento,
que consiste em disponibilizar os reforçadores que antes mantinham os
comportamentos inadequados (atenção, retirada de demanda, acesso a itens
de interesse, etc.) imediatamente após outros comportamentos mais
adequados. De preferência, buscamos reforçar um comportamento que seja
incompatível com o comportamento indesejável. No caso do exemplo acima,
se extinguimos o comportamento inadequado que tinha função de
comunicação, podemos ensinar a fala quando a criança tem pré-requisitos
para isso, ou podemos ensinar uma comunicação alternativa por troca de
pistas visuais quando a criança ainda não tem estes pré-requisitos.
Assim, comportamentos inadequados são enfraquecidos até perderem sua
função e, então, se extinguirem. Enquanto isso, comportamentos adequados
são instalados e fortalecidos, aumentando em frequência e substituindo
os inadequados.
No próximo artigo abordarei o segundo pilar da intervenção
comportamental com autismo: o ensino ou maximização de comportamentos
adequados.
[1] Na
literatura existem pontos controversos em relação ao uso da punição.
Alguns estudos (Blackbill & O’Hara, 1958; Farias, 2006; Penney e
Lupton, 1961) apontam vantagens deste procedimento no controle
comportamental e no ensino de habilidades novas. Outros estudos (Guedes,
2011; Mayer & Gongora, 2011; Neto & Mayer, 2011) enfatizam os
efeitos colaterais indesejados da punição e defendem a opção por
procedimentos não punitivos.
Referências Bibliográficas:
Blackbill, Y. & O’Hara, J. (1958). The relative effectiveness of
reward and punishment for discrimination learning in children. Journal
of Comparative and Physiological Psychology, 61, 747-751.
Farias, D. C. (2006). Discriminação com três tipos de contingências
supressivas: extinção, punição e extinção+punição. Trabalho de Conclusão
de Curso, Universidade Federal do Pará, Belém, PA.
Guedes, M. L. (2011). Porque o controle aversivo não é uma possibilidade na clínica. Acta Comportamentalia, 19, 65-70.
Mayer, P. C. M. & Gongora, M. A. N. (2011). Duas Formulações
Comportamentais de Punição: Definição, Explicação e Algumas Implicações.
Acta Comportamentalia, 19, 47-63.
Neto, M. B. C. & Mayer, P. C. M. (2011). Skinner e a assimetria
entre reforçamento e punição. Acta Comportamentalia, 19, 21-32.
Penney, R. K. & Lupton, A. A. (1961). Children’s discrimination
learning as a function of reward and punishment. Journal of Comparative
and Physiological Psychology, 54 (4), 449-451.
Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. Campinas: Editorial Psy II.
Skinner, B. F. (1953/1970). Ciência e Comportamento Humano. Brasília: Ed. UnB/ FUNBEC.
RETIRADO DOBLOG:http://espacoaprendente.blogspot.com.br/2012/09/autismo-lidando-com-comportamentos.html
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